05 de setembro de 2022

DIFAL E SUA VIGÊNCIA E EFICÁCIA À LUZ DA LC 190/2022

FABRIZIO CALDEIRA LANDIM, advogado tributarista, pós-graduado em direito tributário pelo IBET/BSB; ex-professor de planejamento tributário e palestrante de tributos em vários encontros realizados no Estado de Goiás e em São Paulo.

 

APARECIDO BARRIOS COSTA, advogado tributarista, pós-graduado em direito tributário pelo IBET/GO; ex- Auditor Fiscal dos Tributos Estaduais (AFTE), pela Secretaria de Fazenda do Estado de Goiás; Ex-assessor da Assessoria de Estudos e Avaliação da Secretaria de Fazenda do Estado de Goiás, com participação na Comissão Especial, criada para compilar a legislação tributária estadual e editar o CTE (Código Tributário Estadual, Lei 11.651/91) e o RCTE (Regulamento do Código Tributário Estadual, Decreto 3.745/92), conforme Portaria n.º 012/92.

 

Com o advento da ‘internet das coisas’, aumentou significativamente as vendas no chamado e-commerce, facilitando aos consumidores finais, não contribuintes do ICMS, adquirirem mercadorias em qualquer unidade da federação ou até mesmo do exterior. Com o aumento destas operações, os Estados pleitearam mudanças na estrutura de repartição das receitas com o ICMS.

 

Mirando neste mercado os representantes políticos dos Estados conseguiram aprovar a Emenda Constitucional n.º 87/2015, que alterou a redação dos incisos VII e VIII do §2º do artigo 155 da Constituição, passando a permitir que parcela do ICMS sobre estas operações interestaduais envolvendo consumidores finais, não-contribuintes do ICMS, fosse dividida entre o Estado fornecedor e o Estado consumidor, cabendo a este último o diferencial de alíquotas. Eis o enunciado constitucional que passou a integrar a CF/88 com o advento desta EC, verbis:

 

“nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota interestadual e caberá ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual;”

 

Os Estados percebendo a importância desta nova arrecadação, e sem aguardar as formalidades constitucionais (prévia edição de Lei Complementar e observância dos primados da anterioridade nonagesimal, artigos 146, 150, inciso III, “b” e “c”), resolveram, no âmbito do CONFAZ, editar o Convênio ICMS 93/2015. E, mais que depressa, editaram suas leis ordinárias para exigirem este DIFAL. Tudo isso, numa burla ao Pode de Editar Leis.

 

Neste sentido, criou-se a figura do “não-contribuinte” substituído nas operações envolvendo o consumo de mercadorias e serviços, onde o comprador é um não contribuinte do ICMS. Portanto, a definição dos contribuintes, base de cálculo, alíquotas, responsável pela retenção do DIFAL, forma de cálculo por dentro foram reguladas, em nível nacional, pelo Convênio nº 93/2015 do CONFAZ.

 

Acontece que este Convênio foi declarado inconstitucional pelo STF, por meio da ADI nº 5.464 e do RE nº 1.287.019, este último, em sede de repercussão geral. Em ambos julgados, firmou-se a premissa de que seria necessário a prévia regulamentação formal e material por lei complementar. Assim, a SUPREMA CORTE firmou o Tema 1093, adotando-se a seguinte tese:

 

“A cobrança do diferencial de alíquota alusivo ao ICMS, conforme introduzido pela Emenda Constitucional nº 87/2015, pressupõe edição de lei complementar veiculando normas gerais.”

 

Após a declaração de sua inconstitucionalidade, fixou-se a modulação dos efeitos de várias cláusulas deste Convênio, com exceção da Cláusula Nona (inválida desde sua origem).

 

A ideia era que o Congresso Nacional promulgasse a Lei Complementar até o dia 31.12.2021.

 

Ocorre que, mesmo aprovada pelo Congresso Nacional, o Presidente da República tinha até o dia 11.01.2022 para sancioná-la, vindo a ocorrer, apenas, em 05.01.2021.

 

Como o texto legal aprovado pelo Congresso Nacional previa, em seu artigo 3º, a observância do princípio da noventena, tinha-se a compreensão de que, se sancionada até 31.12.2021, não haveria dúvidas de que sua cobrança só poderia valer a partir de 01.04.2022.

 

Acontece que a LC 190/2022 foi publicada em 05.01.2022, logo, além de se observar o princípio da anterioridade, passou-se a observar, também, o princípio da anterioridade nonagesimal. Aliás, quem institui o tributo são os Estados, pois estes, sim, são os que detém a competência tributária para instituição e cobrança do tributo. Lei Complementar não possui esta função!

 

De qualquer modo, com sua publicação imaginou-se que este assunto estaria resolvido. No entanto, a realidade jurídica confrontada com o sistema jurídico deu aos contribuintes e aos Estados-Membros novas formas de enxergar o problema criado com sua publicação.

 

O primeiro problema jurídico decorre da própria declaração de inconstitucionalidade onde o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL declara a invalidade da norma. O segundo problema jurídico deriva da sua eficácia.

 

Nesta última é onde se encontra a gênese das interpretações jurídicas advindas com a promulgação e publicação da LC 190/2022. É que a SUPREMA CORTE estabeleceu a “modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade das cláusulas primeira, segunda, terceira, sexta e nona do convênio questionado, de modo que a decisão produza efeitos, quanto à cláusula nona, desde a data da concessão da medida cautelar nos autos da ADI nº 5.464/DF e, quanto às cláusulas primeira, segunda, terceira e sexta, a partir do exercício financeiro seguinte à conclusão deste julgamento (2022), aplicando-se a mesma solução em relação às respectivas leis dos estados e do Distrito Federal, para as quais a decisão deverá produzir efeitos a partir do exercício financeiro seguinte à conclusão deste julgamento (2022), exceto no que diz respeito às normas legais que versarem sobre a cláusula nona do Convênio ICMS nº 93/15, cujos efeitos deverão retroagir à data da concessão da medida cautelar nos autos da ADI nº 5.464/DF.”

 

Em outros termos, a declaração de inconstitucionalidade invalidou o Convênio ICMS 93/2015, com efeitos a partir de janeiro/2022 (com exceção, excepcionalmente da Cláusula Nona, que retroagiu até a data de sua publicação). Portanto, a nulidade e sua vigência, já declaradas inconstitucionais, somou-se à sua eficácia, que se perdera em 31.01.2021, pois, a partir de janeiro de 2022, caso não publicada a LC 190/2022, todas as leis ordinárias, com ela incompatíveis, perderam seus fundamentos de validade, motivo pelo qual para que se possa exigir o DIFAL, é imprescindível a edição de uma nova lei ordinária compatível com a nova Lei Complementar.

 

Por este motivo, é que o DIFAL só poderá valer a partir de 01.04.2023, não servindo as leis estaduais editadas em 2015 ou 2016, como instrumentos válidos para suprir a validade que as deixaram órfãs! Não foi outro sentido pelo qual o STF prescreveu “a mesma solução em relação às respectivas leis dos estados e do Distrito Federal, para as quais a decisão deverá produzir efeitos a partir do exercício financeiro seguinte à conclusão deste julgamento (2022)”.

 

Como a LC 190/2022 foi publicada em 05.01.2022, e os efeitos destas LEIS ORDINÁRIAS ESTADUAIS expiraram em 31.12.2021, parece-nos evidente a necessidade de que os Estados da Federação editem outra LEI ORDINÁRIA que seja compatível com a LC 190/2022, para poder exigir este DIFAL, somente em 01.04.2023.

 

São Paulo buscou validar a exigência do DIFAL com a publicação da a Lei Ordinária de nº 17.470/2021. O problema é que o fundamento de validade da lei paulista é o Convênio ICMS 235/2021, e não a LC 190/2022. Portanto, ao nosso sentir o mesmo persiste com relação à pretensão engendrada pelo Estado de São Paulo. Pior ainda é Minas Gerais, ao preparar a cobrança do DIFAL por meio do Decreto Estadual nº 48.343/2021.

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